Desnecessário dizer a importância da leitura para qualquer aprendizado. Mesmo com o advento do YouTube e toda a parafernalha de mídia eletrônica, o texto sempre terá seu lugar cativo, pois é nele que se encontram as informações mais amadurecidas, mais aprofundadas a respeito de um tema. Sempre recomendo, em sala, que para o verdadeiro estudo jurídico seja feito um mergulho nos textos. Videoaulas podem ter sua função, mas é uma função limitada, introdutória, meramente preliminar – ou de revisão, síntese.
Se você é aluno do Direito, você vai entender a piada: as preliminares são importantes, mas você ganha a causa é no mérito. (Se você não é aluno do direito, você pode fazer a adaptação da piada a respeito das preliminares...) O fato é que resuminhos e Youtube podem ter algum lugar e valor, mas o crescimento do seu conhecimento virá sobretudo das operações mentais derivadas da leitura pausada e profunda dos livros.
Ocorre que – ao contrário do que seria intuitivo dizer – não nos ensinaram a ler bem na escola. Somos alfabetizados, mas não somos treinados para uma leitura compreensiva, planejada. Nos mandam ler, mas não nos treinam para ler de modo eficiente – supõem que vamos aprender isso sozinhos. Alguns conseguem, mas muitos desistem do processo, acabam achando que “não nasceram” pra coisa. Errado: só não foram treinados.
Então, a seguir listamos DEZ IDÉIAS para impulsionar sua habilidade de leitura. Não são verdades absolutas, mas podem ser muito úteis se você as experimentar. Confira.
- DEFINA A DURAÇÃO DA SESSÃO.
Antes de começar a leitura da lei ou do código, determine quanto tempo pretende se dedicar a essa atividade. Se você tem uma hora para a atividade, sua abordagem precisará ser diferente do que seria se você tivesse quatro horas, por exemplo. Embora essa definição costumeiramente seja feita, sua maior importância é sua relação com a idéia seguinte…
- SEGMENTE A SESSÃO (SE FOR O CASO).
Seres humanos não são robôs e, portanto, não conseguem receber informação de modo ilimitado e ininterrupto. Nosso rendimento mental (e corporal) oscila de modo cíclico. Por isso, é importante esvaziar nossa “memória RAM” para mantermos a eficiência no processamento de novos dados. Para fazer isso, recomenda-se estabelecer um ciclo de intervalos para sessões muito longas.
Está na moda o chamado “método pomodoro”, que propõe que você faça uma “rodada” de 25 minutos de leitura, seguidos de 5 minutos de intervalo, fechando um ciclo. Ao fim do quarto ciclo, você faria um intervalo maior, de 15 minutos. A idéia é muito boa. Apenas entenda que o período de 25 minutos não é uma lei universal, cabendo a você achar o ciclo de duração mais eficiente para você. Eu gosto do ciclo de 40-50 minutos de leitura, com 10 de intervalo.
Durante o intervalo, você deve descansar a mente. E como se descansa a mente? Movendo o corpo. Levante-se, caminhe ao longo da sala, alongue-se, reabasteça sua garrafa de água e sua caneca de café, vá ao toalete, brinque com seu filho.
(Nesses tempos de dependência quase química dos smartphones e redes sociais, perca alguns minutos desse intervalo para conferir o que seu amigo comeu no lanche da tarde e para visitar a página do coleguinha que posta foto de livro para dizer que está estudando. Só sugiro não fazer o mesmo, mas aí é com você…)
- LEITURA DEDICADA (DISTRACTION FREE).
Para ler de modo mais eficiente, você precisa se concentrar integralmente no texto e se desligar de outras distrações. Eu sei que isso é óbvio, mas o mesmo tanto que essa idéia tem de óbvia, é o tanto que ela é desrespeitada – impressionante… Na hora reservada para sua leitura, você abre e-mail, whats-isso, whats-aquilo, fakebook, snap-chato, instragão etc. etc. etc. Isso para não falar nas outras coisas “não-redes-sociais” – a comida na geladeira e o vale a pena ver de novo, por exemplo. Nos dias de hoje, é necessário ser praticamente um mestre Jedi para se concentrar exclusivamente no texto. (Para Jéssica, Rebeca e Mithaly, que não sabem o que é um mestre Jedi, pensem num monge zen-budista ninja com espada laser e terão uma idéia aproximada.)
Então, como vencer as infinitas distrações? Primeira idéia, comece pelo intervalo. Como assim? Se você vai fazer uma sessão intervalada (por exemplo, duas horas, divididas em quatro baterias de 25 minutos mais 5 de intervalo), comece pelos cinco minutos de intervalo. Durante esse intervalo, sacie seu vício de redes sociais, responda suas mensagens, pegue o que precisar pegar e… Então comece!
Outra idéia que acho muito importante é ter um papel rascunho para anotar todas as tarefas que surgem na sua mente quando você começa a ler. Antes de começar, “despeje” no papel todos esses afazeres que surgem na sua mente nessa hora. Ao longo da leitura, virão ainda mais coisas – então pare, anote rapidamente, e volte à leitura. Ao fim da sessão, ou durante um intervalo, pegue a lista e veja o que precisa ser executado, e faça o que pode ser feito rapidamente, reserve para depois atividades que demandam mais tempo/energia.
- DEFINA A META DA SESSÃO.
É muito importante não ler a esmo. Os alunos, modo geral, mesmo aqueles que são muito bem intencionados, pecam neste quesito. Antes de eu entender essa idéia, passei minha vida toda cometendo este erro: começamos a ler e pensamos “vamos ver o que consigo ler hoje”… Essa postura é ruim por um simples motivo: a mente humana é mais eficiente quando ela tem uma meta a cumprir.
Imagine que você é um motorista sem destino e sem horário. Então, você vai andando lentamente, por caminhos desencontrados. Porém, se você tem uma meta e um prazo, você acelera até o limite (ou mais do que o limite…) e pega as entradas exatas. A fixação de uma meta dá à mente humana um poder de condensação de energia e reunião de forças que tornará sua leitura mais eficiente.
Se você se sentar para ler “o que der, até a hora que der”, muitíssimo provavelmente será uma leitura com menos rendimento do que seria se você sentasse para ler da página 120 até a 200. Certeza! Então, defina sua meta de leitura para cada sessão, ou para cada período intervalado.
Mesmo que não consiga cumpri-la, é melhor ter uma meta. No começo, as metas tendem a ser feitas de modo descalibrado – ainda te falta experiência para ter uma boa idéia de quanto você consegue ler num determinado período. Por outro lado, isso também varia com o texto em si. Porém, com a prática, você irá calibrar sua estimativa: irá dizer com mais clareza quantas páginas será capaz de ler naquele período. Use metas desafiadoras, mas ao mesmo tempo realistas. Não faz sentido ter, digamos, 50 minutos para ler uma página. Por outro lado, também não adianta querer nesse mesmo prazo terminar de ler (em profundidade) o Código Civil, por exemplo.
Por fim, considere que, em certo sentido, é melhor cumprir a meta com alguma (leve) perda de compreensão, do que permanecer compreendendo profundamente as duas primeiras páginas de um texto de quarenta laudas… O conhecimento demanda repetição e repetição. Nós não aprendemos em linha reta, mas em uma sequência de espirais sucessivas. Por isso, desde que não seja algo especialmente importante para a prova desta ou daquela disciplina, prefira deixar para trás um trecho mal entendido, do que insistir em fazer a leitura exaustiva das duas primeiras páginas. Digo isso tendo por contexto, obviamente, a idéia de que uma única leitura jamais esgotará seu aprendizado e, portanto, você voltará ao tema em algum momento.
- LEITURA DE EXPLORAÇÃO.
Não é muito eficiente começar a ler um texto técnico já aprofundando desde a primeira linha. O que recomendamos é que, antes de fazer a leitura pausada, aprofundada, primeiro você se ambiente no texto. Como fazer isso? Passe os olhos ao longo do texto. Percorra rapidamente todo seu conteúdo. Perceba, assim, a organização, o contexto, a sequência de temas. No seu trecho selecionado para a leitura propriamente dita, comece rapidamente vendo as primeiras frases dos parágrafos. Tudo isso muito rapidamente, em cerca de 5 minutos. Você não está lendo propriamente, apenas se preparando para ler. Essa prévia te ampliará a organização mental e compreensão do texto a ser lido.
- LEITURA DE APROFUNDAMENTO.
Agora você vai fazer a leitura mais aprofundada, pausada. Esta é a leitura de compreensão, então você deve usar dos recursos necessários para assimilar as idéias corretamente. Faça destaques. Faça perguntas (para si, ou para o professor, por exemplo). Consulte o dicionário quando necessário – ou a internet. Anote as idéias “conexas” que te vêm à mente quando da leitura (você pode estar lendo um tema de Administrativo e lembrar uma passagem de Constitucional, por exemplo). Enfim, esta é a hora do mergulho no texto. Ainda sugerimos, abaixo, mais duas idéias para realizar esse mergulho mais profundo.
- FAÇA DESTAQUES.
A idéia é simples: ao longo da leitura, você verá que as idéias principais são cercadas de “adornos”. São exemplos, comparações, mais exemplos, introduções etc. etc. Esses elementos SÃO NECESSÁRIOS para você entender a idéia. Porém, uma vez compreendida a mensagem, você pode descartar os adereços. Então você irá destacar aquelas que são as idéias centrais, verdadeiramente importantes.
Se o livro é seu, você pode sublinhá-lo e anotar nas margens. Se não, você precisará de um meio diverso de anotação – folha de caderno, post-its, notas em apps de smartphones etc. Porém, recomendamos fortemente que, de um jeito ou de outro, você faça essas notas, porque sua revisão será feita a partir delas – sem elas, você inevitavelmente terá que ler o texto inteiro novamente.
E se você é daqueles que grifa o livro (quase) inteiro, de modo (quase) indiscriminado (hábitos comuns em aprendedores mais cinestésicos – falaremos disso em outro texto…), então volte mais uma vez ao trecho/parágrafo e, com outra caneta, faça destaques dentro dos destaques: sublinhe ou circule a palavra ou expressão nuclear de cada trecho.
Também recomendamos fortemente o uso de cores diferentes para essas marcações. Sempre sugiro que caneta quatro cores é material obrigatório para a leitura de aprendedores. A sublinha monocromática tem sua utilidade, mas quando você dispõe de cores diferentes, você pode usar o efeito contraste para separar, por exemplo, regras de exceções, ou idéia principal de idéia secundária, ou a idéia defendida pelo autor da idéia defendida por outros professores. Isso vale quer esteja você sublinhando, quer esteja você escrevendo um esquema em separado.
- CRIE UMA IMAGEM MENTAL CONCRETA.
Um de meus mantras sagrados para o aprendedor jurídico: o Direito refere-se às condutas concretas, reais, de pessoas concretas, reais. Qualquer figura jurídica – qualquer! – que esteja sendo estudada deve poder ser relacionada, de algum modo, com uma imagem concreta da vida real. (Pusemos, então, seu imaginário em atividade! Quem pratica a leitura constante de literatura tem um gigantesco ponto favorável aqui!).
Se você está estudando a cláusula de retrovenda, digamos, você precisa “ver na sua mente” um camarada conversando com outro, vendendo a sua casa, o negócio quase fechando e o vendedor levanta o dedo e diz – “mas tem mais uma condição: talvez eu precise da casa de volta; então quero ter o direito (por algum motivo da vida dele, não importa) de recuperar a casa”. Daí o advogado das partes diz – “eu sei como fazer isso, coloquemos uma cláusula de retrovenda” etc. etc. Se você não é capaz de “ver com a mente” uma historinha como essa, por mais incomum que ela seja, você ainda não entendeu muito bem a figura.
- LEITURA DE SÍNTESE.
No fim da sessão (não a cada intervalo, mas ao fim de todo o período), repasse rapidamente os temas lidos. Nesse momento, as anotações e destaques serão de grande valia. Seus olhos podem correr as páginas saltando de destaque em destaque, disparando rapidamente a memória do que você acabou de ler.
- LEITURA DE SÍNTESE REVERSA.
Com certeza, isso é contra intuitivo e você vai estranhar, mas esta idéia é incrivelmente poderosa e pode ser muito eficaz. Uma vez que o texto já tenha sido lido e destacado antes, você pode fazer a leitura de síntese de trás para frente, percorrendo o caminho do texto ao contrário.
Não é nada conveniente fazer a leitura de aprofundamento de trás pra frente, pois seria difícil (ou impossível) captar o sentido do texto. Porém, fazer isso com a leitura de síntese é viável, pois você já sabe o começo. Daí sua mente trabalhará recompondo o percurso na via inversa. Isso é extremamente eficaz para assimilação de informações – aquele dizer “saber de trás pra frente” não foi criado do nada. Talvez não seja útil sempre, mas experimente esta idéia algumas vezes e veja como se sente.
(Só de curiosidade, recomendo um filme lançado em 2000, chamado Amnésia. O personagem principal sofre justamente dessa doença e ele vai se lembrando de fatos ao longo do filme, criando uma narrativa de trás para frente que, no cinema, tornou-se uma obra interessante, diversa dos chavões que vemos nos filmes “enlatados” de sempre.)
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